segunda-feira, 16 de março de 2015
Texto de Helena Siqueira


Com o feminismo começando a adquirir um espaço na minha vida, eu confesso que tenho amado os diálogos e experiências cotidianas sob a ótica dos meus aprendizados recentes no que diz respeito a esse movimento, que antes nada mais seriam do que simples conversas, simples experiências e também as simples agressões machistas e diárias que antes eu não teria senso crítico para notar. 
Mas com esses novos aprendizados surgem também grandes dúvidas acerca de como lidar com as problemáticas do que é ser mulher, e a partir desse breve relato tentarei explicar qual a razão por trás do tema de hoje.



Na faculdade, entre um intervalo de aulas com meus amigos da sala, enquanto todo mundo conversava de vários assuntos, chegou um momento que surgiu algo sobre os filmes pornôs e eu acabei entrando na conversa mesmo que eu não pudesse ajudar tanto.
Percebi que, foram poucas as meninas presentes no local que assumiram ver ou gostar desse tipo de filme (o que causou espanto e admiração por parte de alguns), já as outras (estou nesse grupo) simplesmente não se interessam de fato.
E como pra mim quase toda conversa é válida, eu estava participando daquela, até que começou a piadinha sobre eu "adorar um pornô"... Ok! Adoro piadas, tenho um senso de humor lindo, mas não entendi muito bem o porquê da piada pra mim, porque se eu gostasse não teria vergonha nenhuma de admitir, já que junto com o feminismo, tenho adotado uma nova frase pra minha vida bem conhecida: "Meu corpo, minhas regras".
E mais ainda, penso que se eu gostasse de pornô, encarar isso como piada seria também restringir de forma pejorativa o que eu como mulher devo gostar ou não. 
Depois desse momento,  lá estava eu, novamente com uma nova dúvida , com uma nova vontade de pesquisa, com a falta de um entendimento que me pareceu tão necessário, que eu decidi por escrever dele hoje.
Explicações dadas, agora vamos lá! 

Historicamente, a pornografia teve seus passos basicamente colados e paralelos às inovações tecnológicas de publicidade e de mídia, como explica Kampf, uma aluna pós graduanda com o trabalho : Para uma estética na pornografia.  
 “No período que vai do século XVI até XVIII, a pornografia, como estrutura de representação literária visual, apresentou o corpo feminino como um objeto do prazer masculino. Os novos ideais e também os padrões biológicos e morais que se desenvolveram nos séculos XVIII e XIX exigiram a reafirmação da diferença sexual e, portanto, social e política fundamental entre homens e mulheres. Entre 1790 e 1830, a função social e a política da pornografia mudam para tornar-se um negócio comercial” (KAMPF, 2008:21).
Historicamente , a pornografia, como é possível observar a partir da  fala de Kampf em seu trabalho, foi criada com o objetivo de satisfazer o gênero masculino, teve seu próprio período de reconhecimento de diferenças entre homens e mulheres, para posteriormente se tornar material comercial.
Material esse, que tem promovido intensos debates diante do movimento feminista, pois algumas mulheres participantes acreditam que a pornografia é uma forma de objetificação da mulher e critica como esses filmes são feitos com aspecto de pura dominação masculina, enquanto outras acreditam que essa seria uma nova forma de liberalização sexual e a extinção de um novo tabu acerca da sexualidade da mulher. 
Inclusive, existem termos que tratam essas duas correntes de pensamento: 
Sex-positives: Uma vertente da terceira onda do feminismo que em meados dos anos 90 começa a difundir a ideia que a liberalização sexual da mulher independe dos meios utilizados, como a pornografia, por exemplo.
Sex- moderate : O grupo que se opõe às sex- positives é entitulado assim mas só deixo esse termo aqui pela carência de outro. Isso não necessariamente quer dizer que toda mulher que não é sex-positive é completamente contra a liberalização sexual e as formas que são utilizadas para isso. Apenas o modo como ela é produzida (no caso da pornografia) talvez tenha importância para elas.
Para mais: Sociedade Racionalista: Radicalismo liberal, sex positive e seus perigos para o feminismo. 
(No final o autor conclui sua postura mostrando que não é contra a liberalização e sim contra a postura radical mas que essa varia muito da percepção de cada pessoa. Portanto não se assuste com o título... I'm Spoiller!).
Agora, voltando ao que eu penso sobre, independente de debates contemporâneos, o fato de eu não gostar de pornografia eu acredito que se assemelha muito muito a algo que Simone de Beauvoir descreve em seu livro "O segundo sexo, A experiência vivida (Vol. II)" onde no capítulo A moça ela chega a citar o tabu que é para uma menina adolescente conseguir lidar com as questões sexuais da mesma forma tão "facilitada" que o homem já tem (como aconteceu comigo, e olha que estamos tratando de 2008 mais ou menos, logo alí atrás). Uma boa passagem que corrobora essa minha opinião é a seguinte: 
"No rapaz, os impulsos eróticos só confirmam o orgulho que tira de seu corpo: neste ele descobre o sinal de sua transcendência e de seu poder. A moça pode conseguir assumir seus desejos mas eles permanecem o mais das vezes vergonhosos. Seu corpo inteiro é aceito com embraço." (Beauvoir, 1967:71)
Com esse constrangimento, a adolescente passa então a se fechar um um mundo próprio: 
"Desta existência estreita e mesquinha, ela se evade nos sonhos. Sempre gostou de sonhar; não abandonará nunca mais esse pendor; mascara com clichês poéticos um universo que a intimida, aureola o sexo masculino de luar, de nuvens róseas, de noites aveludadas (...) conta a si própria tolas histórias mágicas (...)" (Beauvoir, 1967:79) 
 Ou seja, se a mulher vive com o tabu de não poder dar passagem para os seus impulsos sexuais e passa a ver esse aspecto em seu secreto, muitas vezes imaginando e fantasiando, eu acho que o filme pornô que ela quer ver tem que ser um pouco preenchido pela beleza que até então sua imaginação tinha, com o enredo, com a vida tão idealizada onde ela poderá momentaneamente se espelhar enquanto assiste. 
Talvez seja até por isso que o filme atual "50 tons de cinza" esteja tomando uma repercussão gigante (e que eu não gostaria aliás), pois não é só sobre o BDSM (termo que define as práticas de dominação e submissão durante o sexo) e sim pela história do homem rico que abdica de toda sua brutalidade por amor, por uma menina simples, passiva e que as mulheres mais velhas ou também mais jovens de alguma forma podem se identificar em um momento da vida. Então além do sexo há uma fantasia passando por trás daquilo tudo.
(Eu realmente não gosto do filme e nunca li o livro, mas achei que seria uma boa forma de exemplificação, por ser um Best-Seller , apenas. Não sei se existe gente no mundo que não tenha ouvido falar, que não saiba do que se trata. Para uma boa crítica sobre outros aspectos do filme, aqueles exatamente que me fazem não gostar dele, existe uma série de blogs que eu indicaria, mas que agora escapariam da minha temática, que é só a pornografia para mulheres e as implicações disso).
Tá certo, existem muitos filmes "soft porn" (pornô mais leve com nudez parcial e histórias pouco mais elaboradas) que também servem para as mulheres, e essa foi uma discussão bem legal entre nós, os lindos que escrevemos o Inclusive quando eu coloquei o tema nas sugestões.
Mas o que eu quero enfatizar nessa postagem é que há uma carência da Industria de pornôs que durante anos produziu um material que só tivesse sentido para os homens, que tem um jeito diferente de encarar os filmes, até porque é mais fácil ver um homem conseguindo o prazer neles enquanto a mulher está lá , e ponto final. 

Para o homem esses filmes podem ser algo simples, sem o lado estético como prioridade , só o ato sexual ininterrupto sem envolver tudo o que é necessário para que a mulher também se excite. (se tem uma coisa que eu odeio é aquele "jato" de porra, pronto falei. Será que os homens gostam daquilo? Mulheres certeza que não) 
Por mais que existam filmes então que, apesar de não serem completamente voltados para o público feminino de certa forma ainda agradam as mulheres, a alguns poucos anos está sendo criada uma categoria que promete ser específica para a mulher.
O que eu acho disso? Acho que esse tipo de reconhecimento sobre a  mulher também querer ter o seu pornô é um ponto positivo, mesmo que começando com um intervalo de tempo gigante e com pouco material ainda. 

Produzir o pornô pra mulher é reconhecer que nós também queremos ter momentos de prazer a sós, neglicenciar os tabus... E quem sabe através disso educar posteriormente a sociedade a tratar a sexualidade da mulher ,adolescente ou adulta, sem julgamentos morais, de valores ou do que quer que seja? Acredito que hoje, essa pode ser uma ferramenta, antes criada exclusivamente para o homem , mas que com suas devidas alterações, faça com que a mulher tenha mais conhecimento do seu valor antes de se oprimir diante da cultura machista e patriarcal que está aí para nos limitar.

Ah ! Tenho mais coisinhas legais para quem se interessar: 

1) É difícil achar um pornô que agradem ás mulheres - Brasil Post.
(Esse é sensacional, complementem a leitura com esse pooor favor!)

2) Feminismo e pornografia : Distanciamento e aproximações possíveis.
(Artigo feito por uma graduanda de Relações Públicas e  uma doutora em Comunicação que lidam com o tema lindamente também, recomendo.)

3) BASTIDORES DO SEXO : PROBLEMATIZANDO A PORNOGRAFIA FEMINISTA A PARTIR DE UM OLHAR SOCIOLÓGICO E FEMINISTA.
(Estou de fato amando esses artigos. Esse explica mais também sobre as sex-positives e a sex-moderate em outros termos, quem é contra e a favor do pornô no movimento feminista)

4) Pra fechar com chavinha de ouro alguns sites com a modalidade do pornô feminino
* www.passion.hd.com 
*www.danejones.com
*www.babes.com
*www.x-art.com
*www.beeg.com
A maioria é paga e não tem existem sites brasileiros, peguei esses através do blog: 
Acidez Feminina - 5 sites pornô para mulheres. 

5) Esse documentário: Clitóris, prazer proibido. 


Ps: Desculpem, eu me empolgo de verdade.

Mas é isso tudo aí... 
Libertem-se ! 
Beijos, Helena. 


Referências Bibliográficas: 

1) KÄMPF, Rachel. Para uma estética na pornografia. 2008. 77 f. ; Dissertação (mestrado) - Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2008. Disponível em http://aplicacoes.unisul.br/pergamum/pdf/93879_Raquel.pdf. Acesso em 19 de Março de 2015.

2) BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: A experiência vivida (Vol. II). Livro em PDF
2ª edição, 1976. Difusão européia do Livro, São Paulo.
















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