sexta-feira, 24 de abril de 2015
Por Bruna Corrêa

Já ouvi muitas vezes de amigos, enquanto conversávamos sobre sexo, o termo “ninfomaníaca”: “Ah, tal menina gosta muito de sexo, nossas transas são incansáveis, ela é ninfomaníaca”. A questão é: será que só porque a garota curte sentir prazer, isso a torna consequentemente portadora de uma doença mental?

É engraçado que não escutemos esse tipo de comentário direcionado aos homens - se o cara curte fazer sexo, é só porque ele está cumprindo seu papel de macho alfa. No entanto, em nossa sociedade, ainda é incomum a ideia de que as mulheres possam ter um alto apetite sexual; se a menina aproveita o sexo e inclusive pede mais, é porque ela é uma safada e algo de errado está acontecendo. Embora isso esteja deixando de acontecer entre os casais com um relacionamento sério, certamente a mulher que tem relações sexuais com mais de uma pessoa (e relações vorazes) é taxada de “puta”. E não é só chamada assim por homens, mas principalmente por mulheres; esse tipo de situação acontece em todos os lugares, não só nos conservadores. Quantas vezes eu já ouvi uma menina sendo chamada de “vadia” porque pegava vários caras, enquanto os homens que tem esse tipo de comportamento se tornam mais desejados? “Todo mundo adora um bom cafajeste” – essa frase é muito famosa e já ouvi várias de minhas amigas a pronunciando.

Certa vez fiquei com um garoto, e uma amiga minha que o conhecia me alertou depois que ele era homofóbico e tinha nojo de meninas que tinham transado com mais de um cara. Ela o citou “Não pego na mão desse tipo de vagabunda, tenho nojo de vadia” – e sim, “vadia” na opinião dele era quem teve relação com mais de uma pessoa, não importa a situação. Eu fiquei completamente enojada e pensei que era mentira, já que não podia imaginar que alguém pensasse aquilo - no entanto, estava enganada. Se já é complicado para uma menina com apetites sexuais “normais” viver tranquilamente nessa sociedade, sem ter preocupações quanto à sua “reputação”, a situação complica de maneira escandalosa se ela possui um vício sexual.

A ninfomania é um transtorno mental caracterizado por um comportamento sexual compulsivo. Compulsões são ações indesejadas, ou rituais, em que uma pessoa se envolve várias vezes sem obter prazer com eles ou ser capaz de controlá-los. (FONG, T, 2006). Já se foi discutido várias vezes essa condição seria ou não uma disfunção – no século XIX era considerada uma doença gravíssima. No entanto, com o passar do tempo, notou-se que tanto homens quanto mulheres desenvolviam esse vício sexual, e que as causas para essa condição poderiam variar de uma grande carga de estresse e ansiedade, níveis elevados de dopamina e serotonina, presença de condições médicas tais como a epilepsia, esclerose múltipla, demência, doença de Huntington, como também poderia ser  efeito colateral de alguns tratamentos de Parkinson - e não por desejo real (GRONEMAN, C).

Portanto, podemos observar que embora tanto homens quanto mulheres possam apresentar uma disfunção sexual, apenas o termo “ninfomaníaca” está em vigor atualmente. Em português, nem possuímos um termo masculino equivalente – em inglês, seria “satyriasis”. Essa situação reforça o que falei acima: o patriarcalismo nos dita que o homem deve ser o bastião da virilidade, não deve “falhar” nunca, estar sempre com vontade de transar loucamente. Senão, é “mulherzinha”. Gosto muito de “Shame”, um filme de 2011, que tem como protagonista o ator Michael Fassbender e que é pouquíssimo conhecido – as pessoas que hoje louvam o filme “Ninfomaníaca”, do Lars Von Trier, raramente conhecem o primeiro. Enfim, “Shame” fala sobre um sujeito que é viciado em sexo. Ele, para aplacar essa situação, consome horas de conteúdo pornô, transa com várias mulheres, entra em jogos de sedução e até chega a ter relações homossexuais. Até mesmo pela irmã ele tem esses impulsos, que controla com muita dificuldade. Mas não vemos, em nenhum momento do filme, uma apreciação do personagem pelo que está fazendo – é algo incontrolável, que não o traz prazer, uma necessidade que tem que aplacar, não importa como.


Uma amiga de uma amiga minha foi diagnosticada com ninfomania. Ela era bem jovem quando começou sua vida sexual, e na época de escola ficava e transava com vários meninos – as pessoas foram se afastando dela quando começaram a descobrir isso, e ela “ficou com fama de puta”. Chegou até a ser suspensa do colégio em que estudava por transar no banheiro da propriedade. Óbvio que a única coisa que as pessoas viam era ela agindo como “vadia” e dando em cima de todo mundo, e até acharam que a garota tinha TDAH ou algum transtorno de atenção – e só quando ela tinha 17 é que descobriram de fato que ela possuía uma condição mental.

E é assim que as pessoas com vício sexual vivem. Não é bonito, não é ser “safado(a)”, é uma condição mental que até hoje não tem cura – embora seja aconselhável fazer terapia avançada (MANLEY, G; KOCHLER, J; 2004).



Referências Bibliográficas



FONG, Timothy W. nderstanding and Managing Compulsive Sexual Behaviors. NCBI. 2006. Disponível aqui. 

GRONEMAN, Carol. Nymphomania: The Historical Construction of Female Sexuality. Journal of Women in Culture and Society, vol. 19, no. 2, ps. 337-367. 1994. Disponível aqui.  

MANLEY,G; KOCHLER, J. Sexual Behavior Disorder; Proposed New Classification in DSM IV, Sex Addiction and Compulsivity. The Journal of Treatment and Prevention, (334) 253-265. 2004. Disponível aqui: 

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