terça-feira, 21 de abril de 2015

Texto de Nina Lavezzo de Carvalho

Cataratas de sangue jogando líquido vermelho para todos os lados: parece um filme do Tarantino, mas, queridxs leitorxs, poderia muito bem ser a descrição do imaginário de muita gente acerca do que é a menstruação. Isso mesmo, meninas, aqueles 5 ou 7 dias do mês em que sangramos para que os resíduos de um ciclo natural possam ser descartados e, a seguir, restituídos para o bem da nossa fertilidade -e da continuidade da raça humana, somente-, foram transformados em outra coisa, uma coisa terrível, evitada a quase todo custo, algo nojento sobre o qual não podemos falar e devemos esconder constantemente. Foi transformado em um líquido azul na propaganda do Always, Sempre Livre, O.B., Intimus ou qualquer outra marca de absorvente. Foi transformado também em nojeira e aversão, em sujeira, apesar de ser a limpeza do nosso organismo. Foi transformado em objeto de ódio de inúmeros namorados, maridos e mulheres menstruadas que, por estarem nesse período, se proíbem de prazeres sexuais e mesmo sentimentais. Foi transformado em um período cheio de "não me toques", raiva, irritação, um período de desculpas para que a palavra da mulher não valha pois "ela está de TPM". Se identificou? Já passou por alguma dessas situações? Pois é, eu já também, aliás, por todas elas. E, assim, lhe apresento a nossa vida em sociedade e como lidamos com mais um dos nossos inúmeros tabus: a menstruação.


"Com meu sangue rego meu jardim". Retirada de 10h50.


Claro que existem muitos tópicos a serem tratados em torno do assunto (apesar de poucos estudos sobre, considerando a sua importância), contudo, tratarei aqui só de alguns deles, que achei mais significativos nesse momento. Para mim, é muito claro que a menstruação não é só um fenômeno biológico: o é, sem dúvidas, mas é também uma série de construções sociais feitas historicamente em torno da menstruação e que lhe dão o status de tabu que tem hoje. Bem, vamos lá.

Ensaio There Will Be Blood, de Emma Arvida Bystrom.

Vermelho é a cor mais quente


Ao longo da história, a construção da imagem da mulher se deu em torno de suas características físicas, dentre as quais a principal é sua capacidade de carregar o futuro da espécie em si - uma dádiva, uma função, um objetivo de vida, em tantas culturas. Contudo, também a menstruação tem um papel especial: bem como a gravidez, é um mistério. Muitos povos o viram como uma maldição, algo impuro, semelhante ao veneno. De fato, tendo que o sangue é associado à morte e ao sofrimento, o sangramento mensal das mulheres raramente foi encarado como algo simplesmente natural e comum, mas sim como um ocorrido improvável e assustador, em especial por estar ligado às partes íntimas da mulher. Talvez tenha até contribuído como fator para a demonização das mulheres em muitas culturas, como citei em posts anteriores. Fato é que as mulheres eram (são?) castigadas por menstruarem, por naturalmente abrigar um fenômeno que era impensável que não podia ser fruto da natureza, que as colocava definitivamente como impuras.
"Os jogos eróticos são permitidos desde a infância entre meninos e meninas. É a partir do dia em que se torna suscetível de conceber que a mulher fica impura. Descreveram-se, muitas vezes, os severos tabus que nas sociedades primitivas cercam a jovem, quando de sua primeira menstruação; mesmo no Egito, onde era tratada com deferências especiais, a mulher permanecia isolada durante o período (...). Muitas vezes expunham-na no telhado de uma casa, relegavam-na numa cabana fora da aldeia, não se devia vê-la nem tocá-la: mais ainda, ela própria não se devia tocar com a mão. [...] Depois dessa primeira provação, os tabus menstruais tornam-se menos severos, mas permanecem rigorosos. Lê-se, em particular, no Levítico: "A mulher que tiver um fluxo de sangue em sua carne permanecerá sete dias na sua impureza. Quem a tocar será impuro até a noite. Todo leito em que dormir. . . todo objeto sobre o qual se sentar será impuro. Quem tocar em seu leito, lavará as roupas e a si próprio com água e será impuro até à noite". " (Beauvoir, 1970)
Ensaio There Will Be Blood, de Emma Arvida Bystrom.

Se sequer a mulher podia tocar-se, quem dirá falar no assunto com outras pessoas. Sem dúvidas, a menstruação não deixou de ser assunto entre mães e filhas, amigas, colegas, etc, mas falar do assunto em público, escrever sobre ele e coisa que o valha era (como diriam na música do Saltimbancos: "e é ainda") recriminado socialmente. Mais, era uma ofensa ao pudor. Assim se constrói um tabu. Assim este foi construído: como não se podia falar de menstruação, mais devia-se escondê-la.

Os reflexos da construção de um tabu são sentidos em várias esferas, sendo a pessoa que o abriga a mais excluída. Nesse caso não deixa de ser verdade, e a mulher é quem mais sofre com a "censura". 

Ensaio There Will Be Blood, de Emma Arvida Bystrom.

Essa realidade, por sinal, não fica no passado: é bastante atual e cruel, em muitos casos. Um deles é o da Índia. No país, não se fala da saúde feminina, em especial da menstruação. O mito é tamanho que as mulheres menstruadas são consideradas impuras, intocáveis, imundas e até mesmo amaldiçoadas. "Um estudo recente realizado por um fabricante de absorventes descobriu que 75% das mulheres que vivem em cidades ainda compram os produtos envoltos em embalagens marrons ou jornais por causa vergonha associada à menstruação" (BBC News, Jha, 2014). Além disso, muitas mulheres não têm acesso a absorventes; como alternativa, usam pedaços de lençóis velhos que as mães costumam cortar. A menstruação é um tabu tão grande que sequer podem ser vistos vestígios de sangramento. Dessa forma, as mulheres têm de lavar tais panos escondidas, assim como não podem deixá-los para sequer, pois ninguém pode vê-los. Por fim, usam os mesmos pedaços de pano a vida inteira, os quais foram porcamente lavados e somente parcialmente secos. Isso explica muito bem porque "a BBC diz que mais de 70% de todas as doenças reprodutivas da Índia são causadas por uma higiene menstrual ruim. A higiene ruim também está linkada com câncer e uma série de outros problemas graves." (Lugar de Mulher, Mari, 2014). O costume exerce um poder magnifico, de modo que uma a cada 5 meninas indianas deixa de ir à escola por causa da menstruação, somando mais 3 milhões de mulheres que deixaram de comparecer as aulas por esse motivo (BBC News, Jha, 2014).

A Índia é aqui quando pensamos que não são poucos os banheiros que possuem sacolas plásticas azuis (o que há com essa cor afinal, minha gente? O título desse tópico, atentem, não é à toa, é uma birra bem formulada) para "guardarmos" nossos absorventes usados antes de jogar no lixo. Ou então quando pensamos que uma manchinha na calça, já é morte social decretada. Ou mesmo quando eu leio no banheiro da minha faculdade, escrito em letras garrafais, que "NINGUÉM PRECISA SABER QUANDO VOCÊ TÁ MENSTRUADA", da mesma forma que minha mãe costumava repetir para mim ao dizer que eu devia envolver os papéis usados para me limpar com mais papel higiênico, com o intuito de não deixar o sangue a mostra.

Talvez um pouco exagerado, mas a cena mostra bem o que a falta de informação pode gerar. Cena retirada do filme Carrie, a Estranha, de Kimberly Peirce; remake lançado em 2013 do clássico de 1976 homônimo de Brian de Palma; ambos os filmes baseados na obra de Stephen King, Carrie.

Menstruação e o nojinho

Ensaio There Will Be Blood, de Emma Arvida Bystrom.

Desde que a menstruação assunto proibido, foi classificado como tantas outras práticas naturais que são consideradas pela nossa sociedade como "nojentas". Menstruar, bem como ter pêlos corporais, são coisas perfeitamente naturais, porém, socialmente, caracterizam uma mulher como suja. Estranhamente, os homens que têm pêlos não são "nojentos". Todas as nossas características que remetem a nossa animalidade, ao nosso caráter de fêmea e não de mulher civilizada é socialmente apontado como nojento, sujo, inapropriado ou vergonhoso. Exagero? Citarei alguns exemplos: além da menstruação e da pelugem, temos a amamentação, o parto, urinar, cagar, peidar, o sexo em público e os odores corporais. O motivo é que todas essas características comuns à espécie vão contra um padrão imagético e ideal do que é ser mulher. Assim, vão contra construções sociais que são difíceis de romper e, quando não há esforço o bastante para mudá-las, se perpetuam no tempo, mantendo esse ideal de menstruação tanto como tabu quanto como algo repugnante presente até os dias de hoje.

Esse nojo está nas lições de moral que nossas parentes e colegas costumam dar sobre como não exibir jamais que você está menstruada. Está também na mídia que jamais mostra o assunto com naturalidade (já viu alguma personagem de novela menstruada?). Está na maneira como lidamos com a TPM. Está no tabu maior ainda que é fazer sexo menstruada.

Ensaio There Will Be Blood, de Emma Arvida Bystrom.

O mais interessante é que esse asco e aversão até em falar sobre o assunto não é uma característica de terceiros, muito menos exclusiva dos homens. As próprias mulheres frequentemente têm vergonha de falar disso. Não à toa, visto que por muito tempo foram (são ainda?) proibidas de falar sobre. Contudo, é angustiante, pois aprisiona a mulher, impede a própria libertação. Creio que a forma mais ilustrativa de demonstrar isso é com relação ao sexo durante o período de menstruação. Não são poucas as mulheres que sentem tesão quando estão menstruadas: "70% das mulheres estão menos dispostas para a relação sexual na segunda fase do ciclo, isto é, nos 14 dias que antecedem a menstruação. Assim que menstruam, a libido aumenta. É claro que em 30% dos casos acontece exatamente o inverso." (Dra. Mara Diegoli em entrevista com o Dr. Drauzio Varella). Mesmo assim, há um enorme preconceito acerca do sexo durante a menstruação, muitas mulheres e homens acham nojento, sem nunca ter tentado. De fato, é considerado algo asqueroso socialmente. Mesmo que a relação sexual não envolva as partes íntimas femininas, muitas mulheres não se sentem confortáveis, mesmo que sintam tesão, mesmo que tenham libido. Algumas mulheres se privam até de beijar alguém simplesmente por estarem em determinado período do mês e essa é uma resultante direta da coerção social exercida por tratar a menstruação como assunto proibitivo e repulsivo.

All you need is blood... blood... blood is all you need

Não há forma mais explicita de perceber a construção social que se dá em torno da menstruação do que em sua relação com o modelo capitalista e a mídia. Quanto à mídia, a razão é evidente: são poucos os espaços que tratam da realidade feminina por e para mulheres com um aspecto crítico, mais raros ainda, portanto, são os que questionam os aspectos sociais e políticos em torno da menstruação (Diana Fabianova, The Moon Inside You). Já o modelo capitalista, costuma se alimentar das inseguranças individuais perante os padrões estéticos que eles criam para nos vender seus produtos, de modo a, através das propagandas, disseminar valores e ideias que eles desejam ver interiorizadas pelo público.

Em relação à menstruação não é diferente. O sangue menstrual é tradicionalmente nojento, como já explicado, portanto, nas propagandas de absorvente não aparece uma gota sequer de sangue. Não, pelo contrário, aparece um leve líquido azul (afinal, azul dá uma ideia de higiênico, não é mesmo?) que testa o produto. Ao caminhar, nenhuma mulher na propaganda sofre com cólicas, desconforto ou mal-humor, todas estão imensamente felizes e, ah, claro, andam requebrando ("ela não anda, ela desfila", já dizia Mc Bola). Todas usam roupas brancas, para provar a eficácia do produto, mas incongruente com a realidade, quando muitas mulheres se impedem de usar roupas claras, saias ou vestidos pelo medo dos vazamentos (ainda que tenham comprado os produtos das propagandas com mulheres felizes e seus vestidos brancos).

Essa propaganda tem tudo isso e muito mais. Além do misterioso líquido azul, das higiênicas calças brancas, do leve rebolado e da alegria da moça, as principais falas do comercial são de homens e a única voz feminina indica que o que os homens realmente gostam é de bunda (bom, também já falamos disso aqui, não é mesmo?). Esse é só um exemplo, mas comecem a dar uma reparada nos comerciais de absorvente em geral e notar se algum deles sequer tenta ser verossímil.

Isso sem falar na pouca presença que outras formas de lidar com a menstruação têm na mídia em geral, como o Coletor Menstrual (que é reutilizável, dura de 5 a 10 anos e muda totalmente sua relação com seu corpo). Além deste exemplo, percebemos a grande disseminação de remédios para cólica, quando exercícios corporais, yoda, homeopatia e acupuntura são tratamentos com resultados muito satisfatórios (relatos aqui e aqui).

Quando pensamos na mídia no sentido mais abrangente, incluindo filmes, seriados e novelas, bem, são poucos os que tratam da menstruação e menos ainda os que problematizam essa vivência. A maioria dos filmes que tive acesso (e, olha, eu gosto de cinema) raramente trata desse assunto e, se o faz, é para dizer que a garota "virou mocinha" e provavelmente terá que casar. Me recordo bem da novela O Clone, da rede Globo, uma das poucas que mostrou a menstruação de uma garota e só o fez pois a personagem, muçulmana, não queria usar o véu e, portanto, tentou esconder o evento. Situação semelhante se deu em Game of Thrones, com a personagem Sansa, que tentou esconder sua menstruação para evitar o casamento prometido. Ambas as situações mostram a menstruação com o intuito de escondê-la na trama. O único filme que me lembro com uma abordagem diferenciada sobre o assunto é Os Sonhadores, de Bertolucci, no qual a menstruação da personagem não é uma "benção", como é tratada com total naturalidade e sem asco, de modo que os 3 (a personagem, seu "amante" e seu irmão) permanecem na banheira mesmo depois de saber que a garota está menstruada.
[Amigxs, tentei achar a cena para colocar aqui, como usualmente, mas não encontrei. Pra quem quiser verificar aqui tem um link pra assistir online: http://megafilmeshd.net/os-sonhadores/. A cena se dá mais ou menos a 01h11min de filme]

Sansa Stark e Shae tentando esconder a marca de sangue do primeiro "florescimento" de Sansa, na série Game of Thrones.

TPM: Tensão Propagada pelo Machismo*

[*: termo retirado do texto de Tica Moreno, em Roupas no Varal, 2011]

Na minha opinião, eis a maior das polêmicas relacionadas à menstruação: a tensão pré-menstrual, TPM. Ela não é uma polêmica por sua implicação biológica, mas por causa de como essas reações biológicas no corpo da mulher foram pervertidas a uma ideia de que a mulher só pode ficar brava, irritada, discordar, discutir e semelhantes quando "está de TPM" e só fará isso porque "está de TPM". Ok, vamos por partes: primeiro, como a tensão pré-menstrual se exibe no corpo.

Ensaio There Will Be Blood, de Emma Arvida Bystrom.

A tensão pré-menstrual é um período que pode variar de 2 a até 15 dias antes da menstruação (Dra. Mara Diegoli). Ela não acomete todas as mulheres, ao contrário do que muitos acham, e nem acompanham-nas durante toda a vida, podem surgir em alguns meses e em outros não. No Brasil, cerca de 8 a cada 10 mulheres sofre de TPM, segundo pesquisa da Unicamp (em Reportagem da TV Gazeta). As causas ainda não foram totalmente comprovadas, mas a maioria dos estudos aponta para variações hormonais ligadas à serotonina (aquele hormônio ligado ao humor, que é liberado com atividade física, por exemplo). Os sintomas físicos costumam envolver cólicas, inchaços, dores de cabeça, nos rins e nos seios e acne. Já os emocionais variam. Segundo a Dra. Mara Diegoli, seriam: tristeza, irritação, "chorar à toa", não ter vontade de sair de casa (meio normal quando você está com dor, né? Mas enfim) e cansaço. No texto de Tica Moreno, a autora indica os sintomas da TPM de acordo com um laboratório farmacêutico que produz pílulas para tratar a TPM, dentre eles, os psicológicos são: depressão, vontade de chorar, fome em excesso ou falta de apetite, falta de sono, agressividade e ansiedade. Já em sua pesquisa, Clarice H. Muramatsu e seu grupo de graduandos concluíram que as mulheres com TPM apresentam, como fatores emocionais, "impaciência (79,07%) e relacionam-se mal (34,88%)" (Muramatsu, 2001). Por experiência própria, porém, e por contato com várias outras mulheres, poderia facilmente adicionar à lista mais algumas características, dentre elas: carência, alterações repentinas de humor e libido. Interessante -e questionável- o fato de que essas características menos pejorativas não são associadas à TPM apesar de serem a realidade de, senão muitas, ao menos algumas mulheres.

Amor em tempos de TPM, quadrinho de Juliana Braga.

Para além de tudo isso, porém, está o fato de que pouquíssimas pessoas acompanham o nosso ciclo menstrual e, ainda assim, muitas, muitíssimas usam do argumento de "você só pode estar de TPM" seja para invalidar um argumento durante alguma discussão, seja para ferir emocionalmente a interlocutora. E fere. Por quê? Bom, a menstruação é algo involuntário e inerente ao corpo feminino. Como tudo em nosso corpo, faz parte de nossa identidade, de modo que a TPM também faz (não importando se a mulher tem ou não TPM, pois é saber popular que toda a mulher que menstrua necessariamente tem TPM e necessariamente, portanto, fica insuportável). E, já que a TPM é tratada como pejorativa, como um sinônimo de alguém indesejável por perto -seja pela nojeira da menstruação, seja pelos comportamentos ruins que a TPM supostamente trás-, é tido como um ponto frágil na mulher, um defeito involuntário, indesejado pela maioria de nós. Então, sim, para a grande maioria das mulheres que não conversa abertamente sobre menstruação e tem pouca consciência acerca de seus ciclos e seu corpo, falar que ela está de TPM é tocar na ferida.

Além disso, e mais importante que isso, é o fato de homens constantemente falarem que as mulheres estão de TPM sem terem ideia se estão ou não com o único intuito de invalidar a ação ou argumentação da mulher com quem está interagindo. Isso acontece todos os dias em muitos ambientes. Eu mesma já presenciei na escola, na faculdade, com amigos e com a família, sem falar nos ambientes públicos. E agora vem mais um: por quê? Por que isso acontece? Lembram-se da mulher ideal?! Aquela doce dama que carinhosamente prepara o jantar, cuidadosamente arruma a casa, gentilmente cuida das crianças, amorosamente beija o marido, etc, etc, etc... Bem, ela sobrevive no imaginário social como composição da ideia do que é ser mulher, e ser mulher é ser doce, ser gentil, ser cuidadosa, um pouco tímida, bastante carinhosa, amável e saber seu lugar. Assim, quando uma mulher está irritada, brava, é grosseira ou ríspida ou qualquer coisa que o valha, isso não parece natural (como é), pois não condiz com o ideal de mulher. Portanto, deve-se explicar esse comportamento por alguma anormalidade, eis que "você só pode estar de TPM", "saí com essa sua TPM pra lá", "nossa, lá vem você com essa TPM de novo". Sequer estamos de TPM na maioria das vezes em que ouvimos isso, e posso generalizar porque tenho consciência do quanto as mulheres escutam frases do tipo. Muitas vezes, homens encerram discussões sob a premissa de que não irão discutir conosco porque estamos de TPM, quando na verdade não têm argumentos para seguir em frente com a discussão (ou simplesmente não desejam continuá-la, mas preferem apontar uma característica hormonal feminina a admitir isso).

Imagem da página Machismo Chato de Cada Dia.
"A TPM não dura o mês inteiro, mas de 2 a 10 dias no máximo. Nos restantes dos dias a mulher não está numa montanha russa hormonal e mesmo que estivesse, segundo os pesquisadores, ela só estará mais irritada que o normal devido à falta de endorfinas, o hormônio do bem estar. 
Não, ela não se transforma num monstro irracional totalmente dominada pelas forças de seu útero. A mulher é perfeitamente capaz de desempenhar suas atividades cotidianas do mesmo modo que um homem mais agressivo que o normal. Ou será que você, homem, toma decisões todos os dias de maneira racional e vive sua vida sem ficar mais irritado do que nos outros dias? Acha que a agressividade te tira a racionalidade? Por que em uma mulher seria diferente?" (Lilian Felix, Blogueiras Feministas, 2011)

E agora, Maria José?


A duplicidade em torno da menstruação é que ao mesmo tempo em que a mulher está se preparando para iniciar um novo ciclo em que a capacidade de gerar vida está novamente invadindo-a, ela sente dores, desconfortos, instabilidade emocional. A interiorização que é ter "coisas" mortas saindo de você para que a possibilidade de vida (um outro "coisa", por sinal) se instaure no seu corpo é abatida pela externalização física através da dor. Há, portanto, a alegria, seja por não ter engravidado, seja por ter a possibilidade de engravidar no futuro, mas há também a dor física, a instabilidade emocional e a estranheza que acompanha qualquer tabu.

Imagem retirada da página Câmara de Eco da Ana.

Diante das dores físicas da menstruação, das pressões sociais sobre como se comportar e do alívio que é a menstruação tantas vezes para tantas mulheres (os atrasos nos matam), estamos em uma encruzilhada. Parece difícil manter a compostura social e, ao mesmo tempo, amar nossos corpos e o que acontece com eles. Talvez a solução esteja em mudar o que a sociedade entende por aceitável (bem, é essa a minha opinião), mas isso só pode começar mudando a nós mesmas, entendendo a nós mesmas.

Há iniciativas ao redor do mundo que já buscam isso. A Campanha 2@ Vermelha é um movimento coletivo de vários blogs e movimentos feministas que buscam conscientizar as mulheres acerca da menstruação e propor discussões mais abertas sobre o assunto. Mesmo na Índia, preocupante como está, há movimentos acontecendo. "A Menstrupedia, um site dirigido por quatro indianos, visa 'estremecer os mitos e entendimentos que cercam a menstruação' e apresenta histórias em quadrinhos e guias simples sobre puberdade, menstruação e higiene. Ele recebe mais de 100 visitantes por mês." (Jha, BBC News, 2014). Há também a ONG Goonj, criada por Anshu Gupta, um homem que acha que a menstruação não deve ser vista só como "assunto de mulher". A ONG faz campanhas para educar as pessoas sobre a menstruação e sobre os mitos acerca da mesma, além de produzir absorventes baratos para as indianas que não têm acesso.

Mulheres têm tomado mais iniciativa quanto a seu corpo e assumido a menstruação como parte de si. Foi o caso da artista Rupi Kaur, cuja foto com um pouco de sangue menstrual foi banida do Instagram. A artista protestou e recolocou a foto no site até ela ser aceita, visto que não ia contra o regulamento do Instagram. A partir do ocorrido, ela fez uma linda declaração sobre o assunto, com a qual desejo terminar meu texto:

"Vocês deletaram a foto de uma mulher que está totalmente coberta e menstruando afirmando que vai contra suas diretrizes quando estas dizem que não é nada exceto aceitável. A garota está totalmente vestida. A foto é minha. Não está atacando um certo grupo. Não é um spam. E porque ela não quebra nenhuma diretriz eu vou repostá-la. Eu não vou me desculpar por não alimentar o ego e orgulho de uma sociedade misogina que vai aceitar meu corpo em uma calcinha mas não aceitará um pequeno vazamento. Enquanto suas páginas estão cheias de incontáveis fotos/contas onde mulheres (tantas menores de idade) são objetificadas, ponificadas e tratadas como menos do que humanas. Obrigada. 
[...]
Eu sangro todos os meses para ajudar a tornar a humanidade possível. Meu ventre é lar do divino. Uma fonte de vida para a nossa espécie. Comigo escolhendo criar ou não. Mas são poucas as vezes que ele é visto assim. Em civilizações antigas esse sangue era considerado sagrado. Em algumas ainda é. Mas a maioria das pessoas, sociedades e comunidades escondem esse processo natural. Algumas estão mais confortáveis com a pornificação de mulheres. A sexualização de mulheres. A violência e degradação de mulheres do que isso. Eles não se incomodar para expressar seu nojo quanto tudo isso, mas ficarão chateados e incomodados por isso, nós menstruamos e eles vêem isso como sujo, como tentativa de chamar atenção, como doença, como um fardo, como se fosse menos natural do que respirar. Como se não fosse uma ponte entre esse universo e o último. Como se esse processo não fosse amor, trabalho, vida, altruísta e incrivelmente belo."(Rupi Kaur, 2015)




BIBLIOGRAFIA:

JHA, Rupa. 'Me sentia suja' - o tabu de menstruar na Índia. BBC News em Nova Deli, Índia. Publicado em 28/10/2014. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/10/141028_menstruacao_india_lab.
ARONOVITCH, Lola. Viva a menstruação! Já os anúncios pra menstruação... . Blog Escreva Lola Escreva. Publicado em 02/05/2011. Disponível em: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2011/05/viva-menstruacao-ja-os-anuncios-pra.html.
MURAMATSU, Clarice H. et al. Consequências da síndrome da tensão pré-menstrual na vida da mulher. Rev. esc. enferm. USP [online]. 2001, vol.35, n.3 [cited  2015-04-23], pp. 205-213 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342001000300002&lng=en&nrm=iso. ISSN 0080-6234. 
FELIX, Lilian. TPM: desculpa de mulher?. Blog Blogueiras Feministas. Postado em 26/03/2011. Disponível em: http://blogueirasfeministas.com/2011/03/tpm-desculpa-de-mulher/.
VARELLA, Drauzio; DIEGOLI, Mara. Entrevista: tensão pré-menstrual. Dr. Drauzio. Disponível em: http://drauziovarella.com.br/mulher-2/tensao-pre-menstrual-2/.
MARI. Não pode: menstruar. Blog Lugar de Mulher. Postado em 07/08/2014. Disponível em: http://lugardemulher.com.br/nao-pode-menstruar/.
KRASIS. Segunda Feira Vermelha, Pêlos e outras Vergonhas. Blog Krasis - Something About Us. Postado em 02/05/2011. Disponível em: https://krasis.wordpress.com/2011/05/02/segunda-feira-vermelha-pelos-e-outras-vergonhas/.
LIMA, Renata. Menstruação é tabu na Índia. Só na Índia?. Blog Biscate Social Club. Postado em 02/07/2014. Disponível em: http://biscatesocialclub.com.br/2014/07/menstruacao-e-tabu-na-india-na-india/.
MORENO, Tica.TPM?. Blog Roupas no Varal. Publicado em 02/05/2011. Disponível em: https://roupasnovaral.wordpress.com/2011/05/02/tpm/.
SEMIRAMIS, Cynthia. Segunda Vermelha, Masturbação e Misoginia. Publicado em 06/05/2010. Disponível em: http://cynthiasemiramis.org/2010/05/06/segunda-vermelha-menstruacao-e-misoginia/.
SUELY. Mulher é bicho esquisito. Todo mês sangra. Blog Esse Tal Climatério. Publicado em 02/05/2011. Disponível em: http://essetalclimaterio.blogspot.com.br/2011/05/mulher-e-bicho-esquisito-todo-mes.html.
FABIANOVA, DIANA. Movie trailer: The Moon Inside You. Disponível em: http://www.mooninsideyou.com/v2/en/.
CARDOSO, Bia. Menstruação - Campanha 2@ Vermelha. Blog Groselha News. Disponível em: http://srtabia.com/2011/05/menstruacao-campanha-2vermelha/.
BLOGUEIRAS FEMINISTAS, postagem coletiva. Campanha 2@ Vermelha - Celebrando a Menstruação!. Blog Blogueiras Feministas. Publicado em 02/05/2011. Disponível em: http://blogueirasfeministas.com/2011/05/campanha-2vermelha-celebrando-a-menstruacao/.
VALENTI, Jessica. As mídias sociais estão protegendo os homens de menstruação, leite materno e pêlos corporais. Blog Blogueiras Feministas. Publicado em 01/04/2015. Publicado originalmente com o título: “Social media is protecting men from periods, breast milk and body hair” no site do jornal The Guardian em 30/03/2015. Tradução de Bia Cardoso para as Blogueiras Feministas. Dispnível em: http://blogueirasfeministas.com/2015/04/as-midias-sociais-estao-protegendo-os-homens-de-menstruacao-leite-materno-e-pelos-corporais/.
BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo. Volumes I e II. Difusão européia do livro, São Paulo. Librairie Gallinard, Paris. 1970.

3 comentários:

  1. Vei, eu não vejo a menstruação esse tabu todo que todos falam,pelo amoor,é algo natural e cada mulher lida de um jeito,mas é só sangue,é só seu útero se descamando, aí tem gente que faz um drama,problematiza tudo é machismo,machismo?
    ...gente, quanto Mimimi,esse feminismo não me representa.

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  2. Vei, eu não vejo a menstruação esse tabu todo que todos falam,pelo amoor,é algo natural e cada mulher lida de um jeito,mas é só sangue,é só seu útero se descamando, aí tem gente que faz um drama,problematiza tudo é machismo,machismo?
    ...gente, quanto Mimimi,esse feminismo não me representa.

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  3. Kkkkn ri tanto nesse artigo. Obrigada por me fzer perder 15 min do meu dia... A biologia é soberana..feministas não passarão!

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